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Domingos estranhos

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Quando nos primórdios dos anos noventa, despertou verdadeiramente em mim a paixão – há quem lhe chame doença crónica – pelo maior clube do mundo e comecei a ver futebol nas bancadas do velho e saudoso Estádio das Antas, acompanhado pelos meus tios Margarida e José (os meus maiores mestres desta religião), era aquela linda camisola nove que eu fitava. Pelos golos que aquele quem vestia marcava, pela classe que passeava em campo, pelo amor à camisola que demonstrava, pela mística e pela dedicação que personalizava e transmitia aos outros. Domingos foi o meu ídolo de criança. Não o Domingos Paciência, o treinador, mas o Domingos. Apenas o Domingos.

O Domingos que provocava em mim um efeito algo parecido, mas muito mais lógico e coerente, com o que representava para as gentes de Carnide o jogador angolano assassinado para o futebol pelo antigo clube com mais títulos no futebol português. Domingos era o cromo que eu, em criança, implorava à sorte para que cedo me chegasse às mãos e puder colar nas famosas cadernetas que coleccionava naqueles tempos. Domingos era quase um Deus.

Tempos depois chegou o eterno Super Mário, aquele marcava golos à mesma velocidade da luz, para rivalizar e abrir um duelo interno de ídolos e do qual ele, Domingos, saía sempre a ganhar, como me habituei a vê-lo fazer no campo.

Domingos foi o primeiro e único jogador por quem chorei verdadeiramente. Recordo esse quase traumático momento como se fosse hoje, agora. Nas férias de Verão de 97, meados de Julho, no Algarve, o inefável José Rodrigues dos Santos dava-me a notícia que já se anunciada, mas que eu me recusava sempre a acreditar: “FC Porto vende Domingos ao Tenerife”. É verdade, confesso sem qualquer complexo: as lágrimas escorreram-me pela cara, não resistindo àquela ingenuidade tão genuína de uma criança que estava a dias de festejar um aniversário. Foi a pior prenda que me podiam ter dado.

Anos mais tarde ele voltou e lembro-me também de festejar a boa nova como se de um golo do Porto se tratasse. Mas já não era o Domingos, era outro bem diferente afectado pelas lesões que nas Canárias o começaram a perseguir (maldição…?). Já não era o meu Domingos.

Pendurou as botas, entretanto, seguiram-se outros génios e outras “paixões”, mas ele, Domingos, foi e será sempre o meu ídolo de criança. O Domingos, volto a sublinhar. Não o Domingos Paciência que “festejou” no banco uma roubalheira num Leiria-FC Porto, há quatro anos. Não o Domingos Paciência que em Dublin estava do lado do inimigo, impotente face à superioridade do maior clube do mundo. Não o Domingos Paciência, que me apunhalou pelas costas ao aceitar vestir a camisola da agremiação da capital, que está prestes a tornar-se o Belenenses dos tempos modernos, a defender aquele que vive sem rei nem roque, mas com muitos tachos para dar, apoiada pelos tios e pelos meninos ricos de Lisboa que vão o futebol como se fossem ao cinema ou jogar uma partida de golfe com os amigos. Não o Domingos Paciência que no primeiro dia em que chegou àquela masmorra disse, com uma hipocrisia desarmante, “este clube é mesmo grande”. Confesso que vê-lo a ele Domingos, a pessoa, daquele lado provoca em mim uma repulsa do tamanho da adoração que tinha pelo outro Domingos. Com a ajuda do tempo, este sentimento descerá, certamente, para um patamar de indiferença, mas os primeiros tempos do próximo campeonato serão, para mim, domingos estranhos. Muito estranhos.

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